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Selma Pereira


Se beber, não conte
Se beber, não conte

Quando eu gosto de alguém eu gosto mesmo. Não saio por aí nomeando meus melhores amigos – porque pra toda situação da nossa vida temos alguém que melhor nos compreende – e nem digo que nenhum homem é o amor da minha vida. Mas quando amo eu amo de verdade. Sempre apreciei conversar com as pessoas de quem gosto e curto dar boas risadas com meus amigos malucos

Lembro-me de um dia em que fui pro bar com minha colega de faculdade, Aline, num sábado após o almoço. Ela me considera sua melhor amiga e eu tenho-lhe grande apreço. Nesse dia, ela estava magoada com o cara pra quem dava de vez em quando. Meu coração já havia me avisado que eu ouviria novamente todos os bafões que ele aprontava. O cara chama-se Rogério.

Rogério é bonito. Morenão, alto e divertido. O problema dele é que parece nunca sentir vergonha. Nada que acontece pode abatê-lo, deixá-lo constrangido ou triste.  Então, eu estava me exercitando como psicóloga particular. Mandava o protocolo que eu nunca me cansasse dos casos da minha amiga. Eu realmente não me cansava. Confesso que às vezes, quando ela me ligava e dizia que precisava conversar comigo e deixava a entender que o problemão era o moreno de 1,80 metros, eu torcia pra ela desistir. Eles nunca terminavam, as coisas que Rogério aprontava não eram tão graves. Mas ao final eu sempre me divertia com a inteligência e falta de vergonha dos dois.

Então fomos ao bar. Ao chegarmos lá avistei uma mesa cheia de homens bem apessoados e logo reconheci um inspetor da polícia rodoviária federal que estudava na nossa faculdade. Antes de nos sentarmos, Aline começou a abanar a mão e gritar um tal de Pedro:

 _Oi Pedro, senta aqui com a gente!

Os caras olharam. Mas sequer falaram nada. Fingi ser transparente, pois não conhecia ninguém naquela mesa. E ela novamente:

_Vem Pedro!

Ouvimos uma resposta e era do mais bonito:

_Daqui a pouco eu vou.

Choquei-me. Ela conhecia aquela beldade? Conhecia aquele galã de novela? Eu estava preste a falar pra ela causar ciúmes no Rogério quando ela começou a gritar:

_Vem agora Pedro! Você sabe que não gosto de esperar.

Falou isso e deu uma risada de bruxa má. Um dos homens, talvez o mais educado, levantou a mão e disse:

_ Não tem nenhum Pedro aqui.  Você está confundindo.

Nessa hora todo o bar virou o rosto pra nossa mesa. Eu queria fazer um buraco no chão e entrar dentro. Nem sei o que aconteceu com Aline nem perguntei, mas parece que ela quebrou a mola do riso. Começou a rir e não parou mais.

Depois da segunda Itaipava , assim como o céu azul se transforma em negro para chover, assim o riso de Aline se transformou em tristeza para chorar. E começou a me contar as últimas atrocidades que Rogério cometera.

***

Aline e Rogério foram ao motel cheios de planos e Rogério já havia bebido naquele dia. Tinham combinado de rasgar a roupa do outro lá (não entendi isso, por que rasgar? não era só tirar? Mas me abstive de fazer essa pergunta pra não parecer boba, deve ser uma espécie de fantasia). Levaram roupa para vestir ao voltares. Quando o “bicho pegou”, Rogério deixou as roupas dela em frangalhos e amarrou os restos mortais da calcinha no trinco da porta enquanto ela só conseguiu arrancar alguns botões da camisa dele. Aline começou a ficar meio temerosa: será que Rogério havia bebido muito? Só agora ela notara que ele estava completamente bêbado.

Nessa parte eu já estava achando graça. E parece que quando a gente bebe duas cervejas começa-se a perder a noção da altura da nossa voz. Foi pensando assim que reparei que muitos clientes estavam olhando pra nossa mesa. Eu imaginava a cena e achava mais engraçada. Os caras bonitos da mesa onde estava o suposto Pedro nos olhava e dava pra escutar um meio surdo que perguntava: Ele fez o quê? Amarrou onde?

Depois que Aline já havia perdido toda a roupa, inclusive o conjunto de lingerie que comprou especialmente pra ocasião (parece que eles vinham planejando há tempo). Chegou realmente a hora de “afogar o ganso”. De repente, Rogério deu um sorrisinho daqueles que ela conhecia bem. Era um risinho de que viria coisa má. Ele havia aprontado algo. Nesse ponto do relato Aline já estava com lágrimas nos olhos. E eu comecei a perguntar:

_Ele te machucou?

Fiquei intrigada porque ela balançou a cabeça negativamente. Então perguntei de novo já de sacanagem, porque eu não fazia idéia do que tinha acontecido:

_ Se ele te comeu todinha e vocês tinham planejado e queriam isso porque você ta chorando?

Ainda com o tom de voz mais elevado ela contou soluçando. Muitas das pessoas nas mesas vizinhas começaram a rir e eu acho que riram foi de nós duas.

Rogério havia brochado e olhava pra ela como se aquilo fosse  a coisa mais normal do mundo. Como se isso não bastasse pediu que ela se considerasse feliz por conhecer o dito cujo dormindo e acrescentou: _Olha como ele é bonitinho.

Segundo Aline, aquilo que faria muitos homens quererem entrar numa espaço nave e desaparecer foi motivo pro Rogério brincar e ficar com cara de “que mal tem nisso?”. Aline então chorou (berrou como criança birrenta) e quis ir embora imediatamente, prometeu nunca mais falar com ele e, de tão transtornada que estava ela vestiu só a calcinha e o sutiã, e entrou no carro e começou a gritar que queria ir embora. As vezes ele vinha até a garagem e pedia pra ela gritar mais baixo. E ela nem aí: ninguém vai saber que sou eu mesmo.

Rogério saiu bravo e não envergonhado. Disse que estava bravo porque Aline ficou gritando como se o mundo estivesse à beira de um colapso e atrapalhando a “foda” dos outros por uma coisa tão banal.

Aline percebeu que Rogério não sentira vergonha nem nada, mas sentiu uma vontade enorme de quebrar a cara dele quando ele piscou pra ela e disse: _Gostosinha, heim?

Do nada surgiu, numa curva, a viatura da Polícia Rodoviária Federal. Aline começou a rezar para que eles não precisassem parar. Só Deus saberia o quanto Rogério havia bebido.

Pararam.

Rogério soprou o bafômetro. E o policial pediu pra Aline sair do carro. Ela pediu pelo “amor de Deus” conversa comigo aqui mesmo. O policial olhou aquela armadilha dentro do carro e parece ter ficado com pena, pois não pediu mais pra ela sair. Aline não sabe explicar o que aconteceu que Rogério se afastou pra comprar leite. Bebeu do leite e começou a correr pela rodovia. A cada volta três volta ele bebia mais leite e soprava no bafômetro. Numa das voltas, ele tirou a camisa jogou pra Aline e disse: “Segura para mim, Amor”, como se fosse a coisa mais normal do mundo...E ela só de calcinha e sutiã, se sentindo humilhada dentro do carro. Agora, ela que queria entrar numa espaço nave e fugir dali. 

Nessa parte, Aline chorava tanto que não conseguia mais me contar nada. O bar estava ouvindo. Os clientes estavam solidários com tanto azar. O garçon se aproximou e disse que nossa conta estava paga pelos cavalheiros da outra mesa e ofereceu a Aline um lenço pois ela estava acabando com os guardanapos.

Ela enxugou os olhos, pegou sua dignidade estava guardada dentro da bolsa, levantou com postura de mulher competente e foi agradecer pessoalmente aos rapazes. Tive um mal pressentimento. Meu coração tentou adivinhar se perguntando  se ela iria cair, ou quebrar o salto, ou derrubar uma mesa.

Nada disse aconteceu. Só ouvi gritos: Aaaaiiiiiiii! É ele! Ai meu Deus, é ele!

Todo o bar correu na direção de Aline parada ali com as mãos na cabeça:

_ Ele quem moça?

Aline estava quase sem forças, mas levantou o braço e apontou pro suposto Pedro:

_ O Policial que parou Rogério. 

Ela desmaiou. Eu não conhecia ninguém pra pedir ajuda. Liguei pro Rogério.