Em um recôncavo de Minas Gerais, este estado de beleza insígnia e de cidadãos honestos, de gente bonita e isento de mentirosos, nasceu Rita de Cássia, no mês de Outubro daquele ano. Numa cidade além das Montanhas, repleta de riquezas naturais e de gente ousada, peões esquisitos e motociclistas imprudentes, localidade que as casas se dependuram nos morros e os buracos das ruas e estradas massacram os rins, no Vale do Jequitinhonha. O Vale cujo nome é associado à pobreza, miséria e descaso; assim como em relação às rosas muitos só lhes atribuem à picada dos espinhos e à aspereza das folhas; Todavia, o Vale do Jequitinhonha é o Vale da Cultura e sacrário das tradições.
Ali estão alocados os Artesãos mais hábeis do País, o Coral das Lavadeiras e o Coral Meninos de Araçuaí. Nasceu nesse berço o cantor Rubinho do Vale e o Sanfoneiro Tino Cego. O Brasil conhece o Festivale – Festival De Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha – a cachaça de Salinas, o sorvete de Itaipé e outros milagres daquela região. Pensando sobre isso e tudo o mais que tem nesse recanto iluminado pelo penhor do Astro Rei e pelas gotículas de chuvas dadas como abono pelo Criador, alguns poucos cegos de Espírito, sedentos de Cultura e Amor ao próximo não vê ali senão a escassez de bens materiais.
Foi ali que pela primeira vez ela pôs a perna no “oco do mundo”. Dizem que as estrelas brilham quando nasce alguém e que as nuvens choram quando alguém morre. Mas nesse dia o Universo foi indiferente àquele Borrão de Tinta. Amanheceu e o Céu estava indisposto, bocejou e cuspiu na Terra. O Sol se espreguiçava, abria os olhos e tornava a fechá-los. O Mar se esbaldou em ondas, os pássaros silenciaram e, em suma, a Natureza se licenciou por 15 dias (afastou-se pelo INSS).
Deus tirou uma soneca e o Diabo aproveitou a deixa e deu uma baita festa, regada a Caipirinha, Vodka, Itaipava (quem era menor de idade tomava Coca-cola). E por quinze dias, o Universo esteve estranho. Nuances escuras tomaram conta da Terra, e apenas os repteis venenosos ousavam rastejar por aí. AS Onças andavam mansamente, os Leões se agacharam tal qual quando se esperam uma tempestade. Os grilos silenciaram, as pessoas se trancaram em casa, e as Cobras (até elas!) olhavam de soslaio, desconfiadas. Embora nenhum grande fato houvesse acontecido senão o nascimento de Rita de Cássia, no 7º mês de gestação, cuja genitora optou por doar...
Mas não era só isso.
A Mão Poderosa que escreve no Livro da Vida, já havia se antecipado e escrito tudo: aquele nascimento regido por Escorpião em madrugada de Lua Nova, traria ao mundo um ser andarilho de destino incerto, de sentimentos subdesenvolvidos e semi-débil mental. E diante de tudo o que viu e sentiu, compreendendo que não teria nada daquilo que sonhara no útero materno; de repente, foi como de alguma maneira, seu coração houvesse se desesperado. Chorou, mas até o Criador ficou em silêncio. E para cumprir seu destino, do mesmo modo que os retirantes nordestinos fogem da tortura do Sol ardente e da falta de Água, ela palmilhou seus primeiros quilômetros de retirante, fugindo da falta de Amor.
No Vale do Mucuri, um local não menos bonito, numa casa grande e espaçosa, cheia de gente e conversas, cachorros, gatos e tartaruga, com muitas plantas que ela pediu pousada. Curiosamente, nessa casa, havia uma única espécie/família de planta, de todos os tamanhos, cores e formatos e tinha um nome bastante significativo: Amor-em-pedaços. O casal que assumiram a função de pais eram do tipo que orgulham a Deus, aos filhos e aos vizinhos e os seres (de todas as idades, cores, tamanhos e de vários níveis de encapetamento) que assumiram a função de irmãos eram uns - tipo uma unha encravada. E o outro ser, amigável, era um elemento não-humano, um cachorro – Crávio - do tamanho de uma mesa. A vida e o amor reinavam com todo o seu esplendor na casa dos Pereiras. Não sei se por causa da família imensa ou por causa dos Amores-em-pedaços que resolvi ancorar de vez.
Rita de Cássia foi deixada para trás. Me tornei uma Pereira. Aportei ali e decidi não sair mais. Deus dobrou a língua (ou a mão) e começou a escrever uma nova história. Me tornei Selma Pereira. Nasci novamente e o Universo outra vez me decepcionou: chorou tanto que causou várias enchentes na cidade. O mundo silenciou. E a Escorpião Fêmea de Rabo venenoso pôs a pena no mundo, desta vez estilo Carmem Miranda: “Daqui não Saio, daqui ninguém me tira”.
Fiquei por aí um bom tempo saindo de casa escondido, viajando pra outros estados e sendo trazida pela polícia ou Conselheiros Tutelares. Morei no Convento e vivi muitas coisas boas e divertidas. Até que um dia eu me apaixonei vivendo os melhores e piores momentos da minha Existência. Deus reescreveu minha história, mas colocou alguns pormenores: Por um sorriso meu coração se despedaça. Por uma conversa amigável eu apaixono. Quando não gosto de alguém, não consigo fingir o contrario, sou essencialmente venenosa e quando amo, amo pra valer! Sou muito feliz, em parte porque sou uma Pereira e porque os amores em pedaços da minha vida têm aumentado...