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Selma Pereira


Sofrimento Psiquico No trabalho
Sofrimento Psiquico No trabalho

Relembrando o Sofrimento Psiquico No Trabalho
 
Selma Pereira
 
Faculdades Unificadas Doctum / 2012
 
 
RESUMO
Tornamos-nos, nas ultimas décadas, testemunhas do aumento da sofisticação tecnológica; desenvolvimento dos meios de comunicação e consequentemente transformações no mundo político ; social e econômico. O que refletiram, portanto no mundo do trabalho cujas relações tiveram acentuadas mudanças. Esse artigo busca discutir a relação entre trabalho e saúde mental bem como suas implicações no processo do adoecimento, tendo como base a noção de prazer e sofrimento na visão de Christopher Dejours e da Psicodinâmica do trabalho. Serão abordados os processos geradores do sofrimento psíquico de modo que venhamos a compreender os seus reflexos na vida e na saúde do trabalhador bem como conceituá-los sob a ótica da psicodinâmica.
Palavas-chave:Psicodinâmica do trabalho; Sofrimentos Psíquico; Adoecimento; Dejours.
 
ABSTRACT
We become, in recent decades,witnessed theincreasingtechnological sophistication, the development of the mediaand consequentlychangesin the political, social and economic. Whatreflectedthereforein the working worldwhose relationsweremarked changes. Thisarticle discussesthe relationship betweenwork and mental healthas well as theirimplications in the processof illness, based on the notionof pleasure and painin the eyes ofChristopherDejoursandpsychodynamics ofwork.It will examinethe generating processesof psychological distresssothat we mayunderstand theireffects onthe lives and healthof workersandconceptualizethemfrom the perspectiveof psychodynamics.
PalavasKeywords:psychodynamics of work;PsychicSuffering, Illness, Dejours.
 
1- INTRODUÇÃO
As atuais condições de trabalho, mesmo se considerados os avanços da tecnologia; intensificaram as exigências e as pressões relacionadas a metas; produtividade e competições. Há muito vem se discutindo a questão do estresse decorrido dessas exigências e, as várias investigações têm demonstrado que a maioria dos acontecimentos estressantes podem ser associados a problemas tanto de ordem física quanto psíquica.
Por outro lado, discute-se o trabalho como construção de si mesmo, da identidade e da sociedade; desse modo temos as duas faces do ato de trabalhar – o prazer e o sofrimento – contribuição na manutenção e desenvolvimento da sociedade e, ao mesmo tempo produção de enfermidades e comprometimento da saúde do trabalhador.
É, portanto, de nosso conhecimento que nem todos os trabalhadores adoecem no trabalho; o porquê somente alguns, e não todos escapam ao adoecimento psíquico, e, o que é desenvolvido pelos trabalhadores para preservarem a saúde mental é discutida pela Psicodinâmica do Trabalho, cujo desenvolvimento veremos a seguir.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 A Psicodinâmica do trabalho
A Psicodinâmica do trabalho se originou nos estudos realizados por Le Guillant, em psicopatologia, porém sofreu um processo revolucionário a partir dos estudos de Christophe Dejours. O centro das discussões da psicodinâmica antes ocupado pela Patologia se tornou cerne de discussões sobre a normalidade. O que leva Dejours a mudar o foco dessa análise é o fato de os trabalhadores conseguirem manter certo equilíbrio psíquico, mesmo diante de situações laborais muito adversas.
Utilizando a psicanálise freudiana como base teórica, a psicodinâmica do trabalho parte do pressuposto de que há uma anulação do livre comportamento do sujeito, e se propõe a estudar esse espaço - espaço dado como aquele entre o livre comportamento e o comportamento esteriotipado, ou seja, a Psicodinâmica se propõe a estudar o lugar do sofrimento.
Essa disciplina está voltada para a coletividade e não apenas para o sujeito, assim, suas intervenções são direcionadas à organização do trabalho. Ela considera que as agressões sofridas pelo Ego, produzem fantasmas, que estão ligados ao que é quase insuportável, o desejo de mudança e a possibilidade de sublimar. Assim é possível, através da Psicodinâmica, expor as possibilidades de agressões psíquicas provenientes da organização do trabalho e possibilita identificá-las antes de se tornarem uma patologia. A partir disso, pode-se pensar quais efeitos negativos o trabalho gera no sujeito, causando-lhe sofrimento psíquico.  Por meio do diagnóstico, é possível entender a relação estabelecida entre trabalho e doença, bem como propor uma intervenção eficaz precocemente, com o objetivo de detectar e erradicar o problema em um estágio ainda prematuro (DEJOURS 1987)
De acordo com Le Guillant (1981) a psicodinâmica identifica que o trabalho humano não ocupa um lugar marginal dentro da construção da identidade do sujeito, devendo ser enfatizado o estudo da sublimação ao invés de processos patológicos, porque a energia sublimada é essencial para a construção e a manutenção da economia psicossomática de cada um.
O importante para a Psicodinâmica do Trabalho é conseguir compreender como os trabalhadores alcançam manter certo equilíbrio psíquico, mesmo estando submetidos a condições de trabalho desestruturantes (DEJOURS, 1993).
2.2 - Cristhopher Dejours e os Mecanismos de Defesa
Médico do trabalho, psiquiatra e psicanalista, sugeriu a Psicodinâmica do trabalho a partir dos anos 80 na França, a qual foi consolidada no Brasil nos anos 90. Seus estudos revelam um olhar amplo e integrador sobre a organização do trabalho e seus impactos sobre a saúde mental dos trabalhadores; remete-se aos fenômenos do mundo laboral que influenciam, de maneira decisiva, as vivências de prazer e sofrimento dos indivíduos envolvidos com o processo dinâmico do trabalho. Seu livro “A loucura do trabalho” tem como objeto de estudo não a loucura propriamente dita, mas o sofrimento, sendo este um estado compatível com a normalidade psíquica do indivíduo, já que o mesmo proporciona uma série de mecanismos de defesa e de regulação.
Anna Freud (1978) classifica os mecanismos de defesa de um modo geral como uma distorção do ego para proteger a personalidade contra determinada ameaça. A Psicodinâmica do Trabalho utiliza o conceito "mecanismos de defesa" sob o âmbito organizacional, onde o objeto de estudo são as formas de  defesa do trabalhador contra o sofrimento laboral.
 Dentre os mecanismos de defesa descritos pala Psicanálise, a sublimação é o conceito mais usado pelos autores da Psicodinâmica do Trabalho, pelo fato deste se tratar de uma saída "positiva" do ego diante do sofrimento no trabalho. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1993) ressaltam o fato de a sublimação aparecer no campo social e conseqüentemente no ambiente de trabalho. Como os mecanismos de defesas são da ordem do singular, fala-se então de uma maneira generalizada sobre os mecanismos de defesa que o trabalhador elabora diante de determinadas situações no ambiente de trabalho, já que a Psicodinâmica intervêm principalmente no coletivo.
 Para Dejours (1987), a organização do trabalho exerce, sobre o sujeito, uma ação cujo alvo é o aparelho psíquico. Deste modo, os trabalhadores, para protegerem-se desses impactos, geram uma série de mecanismos de defesa. As estratégias de defesa do trabalhador são necessárias para a realização do trabalho, o que seria, segundo o autor uma boa adequação entre a organização do trabalho e a estrutura mental do trabalhador (...) isso impõe, em cada caso, um ponto de vista detalhado, apoiado por uma análise precisa da Psicodinâmica da relação homem/trabalho.
2.3- O sofrimento Psiquico na Visão de Dejours
O Sofrimento Psíquico pode se dácomo incompatibilidade dos desejos do trabalhador, de suas esperanças e projetos com os objetivos da empresa que muitas vezes ignoram os aspectos da vida pessoal do trabalhador.
Segundo Dejours (1987) o processo saúde/doença é constituído no trabalho, cada indivíduo realiza seu trabalho de uma forma pessoal; sendo assim o homem produz algo ou presta um serviço à sociedade e, ao mesmo tempo, constrói a si mesmo. No entanto, se o trabalho não atende a demanda do trabalhador esse pode trazer sofrimento e angústia, trazendo esse caráter dual: é fonte de realização e fonte de enfermidades.
O objetivo da Psicodinâmica do trabalho é o sofrimento e as defesas contra a doença, Dejours concebe o sofrimento como a vivência subjetiva intermediária entre doença mental e o conforto (ou bem-estar) psíquico, o sofrimento implica um estado de luta do sujeito contra as forças ligadas à organização, o sofrimento, até então representado como essencialmente negativo, favorecedor da doença (DEJOURS, 1994). Ele aponta que as exigências do trabalho e da vida são uma ameaça ao próprio trabalhador e que acusa riscos de sofrimentos, sendo que esse sofrimento se manifesta de forma diferente, o sofrimento de um indivíduo não necessariamente é o sofrimento do outro, mesmo quando estão submetidos às mesmas condições de trabalho.
A diversidade da psicodinâmica de Dejours está nessa questão: ele não admite que o trabalho é causador de doenças mentais, podendo no máximo desencadeá-las e, ainda assim, sob certas circunstâncias bastante específicas. Segundo ele, "ao se dar a normalidade como objeto, a psicodinâmica do trabalho abre perspectivas mais amplas que (...) não dizem respeito apenas ao sofrimento, mas também ao prazer no trabalho; não apenas ao homem, mas ao trabalho; não apenas à organização do trabalho, mas às situações de trabalho no detalhe rigoroso de sua dinâmica interna". Além disso, ele afirma que o "desenvolvimento da psicopatologia do trabalho em direção da psicodinâmica do trabalho está baseado em uma 'descoberta' essencial"que é o reconhecimento de que "a relação entre organização do trabalho e o homem não é um bloco rígido, mas está em contínuo movimento" (SENECHAL 2001)
2.4 - Fatores que Implicam o Adoecimento
Segundo a teoria dejouriana, o adoecimento pode acontecer devido a uma “retenção da energia pulsional” por uma situação de trabalho que impede a descarga adequada da carga psíquica. É notória a tentativa da psicodinâmica de reafirmar a centralidade do sofrimento no processo saúde-doença-cuidado. No entanto, essa perspectiva teórica esbarra em pontos críticos. Repete o modelo de explicação causal, ao dicotomizar o sofrimento em criativo e patogênico, e reproduz aspectos que tentava superar em relação à psicopatologia.
Para Dejours (1994), o sofrimento presente no contexto organizacional se vincula a dados relativos à história singular de cada indivíduo e aos aspectos referentes à sua situação atual, possuindo então uma dimensão temporal que implica em processos construídos pelo próprio trabalhador no âmbito de sua atividade. O sofrimento patogênico se inicia no momento em que foram explorados todos os recursos defensivos do indivíduo. Esse tipo de sofrimento é uma espécie de resíduo não compensado, que leva a uma destruição do equilíbrio psíquico do sujeito, empurrando-o para uma lenta e brutal destruição orgânica.
 
O sofrimento mental é entendido em uma perspectiva dinâmica, onde tanto pode propiciar elementos que favoreçam à saúde quanto ao processo de adoecimento (DEJOURS & ABDOUCHELI, 1994). É necessário que este sofrimento seja relacionado com às situações concretas de trabalho, considerando as interações entre condições físicas, químicas e biológicas e a organização do trabalho.
O conceito de sofrimento e prazer no trabalho pode ser tomado como derivado do confronto do individuo com os desafios externos que lhe faz tomar decisões que antagonizam seus valores, formação e capacidade; confronto dos desejos, vontades, sonhos e princípios individuais versus objetivos da organização de trabalho a que se está inserido, que sequer dá conta das possibilidades e valores individuais.
O sofrimento psíquico ocorre quando o trabalhador não consegue dar escoamento ao sofrimento; a maneira como o trabalho está organizado; divisão, conteúdo da tarefa, sistema hierárquico, modalidades de comando, relações de poder e as questões de responsabilidades etc) ou suas condições (ambiente físico, químico, biológico, as condições de higiene, de segurança, e as características antropométricas do posto de trabalho); bloqueia as possibilidades de desenvolvimento e crescimento pessoal. É um sofrimento gerado no trabalhador devido à pressão que é submetido diariamente em busca de lucros, competição, eficácia e da manutenção do emprego. O trabalhador se sente apavorado por não conseguir manter sua energia física e mental adequada para seu desempenho no trabalho, e esse pavor é uma forma em que se manifesta o sofrimento psíquico (FRANÇA e RODRIGUES, 1997). Pode também ter sua origem nas pressões do trabalho; pressões essas que põem em xeque o equilíbrio psíquico e a saúde mental, na organização do trabalho, é individualizado e depende da construção social e psíquica de cada pessoa. (DEJOURS, 1994).
Dejours (1998) afirma que as relações de trabalho, dentro das organizações, freqüentemente, despojam o trabalhador de sua subjetividade, excluindo o sujeito e fazendo do homem uma vítima do seu trabalho. O workaholic, expressão americana originada da palavra alcoholic (alcoólatra) serve para denotar uma pessoa viciada em trabalho; vicio motivado pela alta competição, necessidade (talvez mais adequado seria dizer obsessão) por dinheiro, vaidade, sobrevivência etc; que pode expressar aquilo que caracteriza o sofrimento patogênico (DEJOURS 1998/1999).
 
Ainda segundo Dejours, a noção de sofrimento é central e implica um estado de luta do sujeito contra as forças que estão empurrando em direção à doença mental. Por outro lado, o autor afirma que é na organização do trabalho que se deve procurar essas forças. A partir dessa percepção o autor explica em que consistem as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para enfrentar esse sofrimento e como elas surgem e evoluem.
 
Dejours denomina de sofrimento criativo o fato de o indivíduo elaborar soluções originais que favorecem ou restituem sua saúde. O sofrimento criativo chega a adquirir um sentido, pois favorece ao indivíduo um reconhecimento de uma identidade. Neste contexto o indivíduo se propõe a ação criativa que promove descobertas, fazendo com que este experimente e transforme, de maneira criativa, prática e engenhosa, soluções inéditas frente às situações móveis e cambiantes de seu trabalho. A competência e a engenhosidade, promovida pela inteligência coletiva ou individual, proporcionam o surgimento de estratégias defensivas, que aliviam ou combatem o sofrimento psíquico. Os indivíduos, quando diante de uma situação de angústia e insatisfação decorrente de seu trabalho, elaboram estratégias de defesa que acaba por tornar o sofrimento um aspecto velado. Logo, o sofrimento disfarçado encontrará como meio de eclodir uma sintomatologia, a qual às vezes apresenta-se com certa estrutura própria a cada profissão ou ambiente de trabalho. Isso porque, a vida psíquica perpassa pelo funcionamento de todo sistema corporal integrando-o, desta forma manifesta-se as doenças.
 
3 – DISCUSSÃO
A Psicodinâmica do Trabalho é uma disciplina que se atualiza tanto quanto as relações de trabalho e os avanços da sociedade pelo fato de que Dejours não focou na especificidade de um trabalho, mas em suas condições. O problema do absenteísmo no trabalho, a Síndrome de Burnaut, oscasos de agressões (verbais e não verbais) e até mesmo os casos de depredação da estrutura e materiais da empresa por parte do funcionário, são sem dúvida, sinais e sintomas do sofrimento. Esses casos nos são bastante familiares e nem sempre vistos como desequilíbrio psíquico ou sinal de sofrimento.
O que falta, porém, é discernir se estes fatos, exceto a Síndrome de Burnaut – já classificada como sofrimento psíquico – encaixam na “categoria” mecanismos de defesa.
Esses atos, de certa maneira, protegem a personalidade contra ameaças de sofrimento, um paliativo e/ou uma válvula de escape. Não poderíamos chamá-los de mecanismos de defesa com base na teoria dejouriana, mas, eles são uma fuga e/ou esquiva do sofrimento; embora não sejam comportamentos aceitos socialmente, eles conseguem manter no funcionário certo equilíbrio psíquico.
Quando nos perguntamos como e o porquê alguns trabalhadores e não todos escapam ao adoecimento, podemos pensar tanto nos comportamentos descritos acima como pensar na capacidade dos trabalhadores de reinventar estratégias de superação e também reinventar maneiras menos dolorosas de “atuar”; que irão levá-los, isso baseado na Psicodinâmica do trabalho, a um equilíbrio psíquico “consolidado” e fazer com que esses trabalhadores escapem ao sofrimento
4- CONCLUSÃO
É possível perceber que a psicodinâmica ainda se mantém um tanto presa aos modelos termodinâmico e biológico, herdados da psicanálise freudiana e da ergonomia pois podemos observar que Dejours partiu do modelo médico do funcionamento psíquico enfatizando, até, a noção causal disposta no conceito de sofrimento patogênico e criativo. Assim é que Dejours definiu a manifestação do sofrimento interpretando-o como resultado de um enfraquecimento das estratégias coletivas dos trabalhadores (mais um efeito causal do modelo médico) e não como uma conseqüência de situações relacionadas ao trabalho.
E, sob o marco da teoria Dejouriana, concluamos que o trabalho não causa a doença mental ou o sofrimento psíquico; mas que o trabalho ou a organização do trabalho precipita o sofrimento psíquico e/ou a doença mental.
 
5- REFERENCIAS
CODO, W. et al. Indivíduo, trabalho e sofrimento: uma abordagem
interdisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.
 
DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. O
indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1993.
 
________. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à
análise da relação prazer, sofrimento trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.
 
________. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
 
________. A loucura do trabalho: estudo de Psicopatologia do Trabalho.