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Selma Pereira


A Personalidade Histérica
A Personalidade Histérica

1.0 - ESTRUTURA HISTÉRICA E LOGICA FÁLICA

Tratar a histeria é tratar de um acontecimento geral da dialética edipiana, uma dimensão que intervém no horizonte de todos os processos da organização psíquica, ou seja, a passagem do ser ao ter. Esta passagem é determinada pela intrusão do pai, pai imaginário, pai privador e frustrador, assim, aparecendo para a criaa como um pai proibidor. Isso acontece porque a mãe reconhece o pai como aquele que “faz a lei” e assim, o desejo da mãe se revela para a criaa como um desejo que se traça na dimensão do ter.
O pai tem aceso a sua plena função de pai simbólico, e a mãe reconhece a palavra do pai como a única capaz de mobilizar seu desejo. Essa mobilização do desejo da mãe faz com que a criaa institua o pai imaginário num lugar onde ele é depositário do falo. Assim, na incidência do complexo de castração da dialética do ser ao ter, Lacan já ponderou: Para ter o falo, é preciso que se tenha colocado que não se pode tê-lo; [o pai intervém nesse momento quando] a possibilidade de ser castrado é essencial na assunção de ter o falo.
 
    1. – O JOGO HISTÉRICO
O jogo histérico é assumir a conquista do falo. Através desta conquista que a criaas e subtrai á rivalidade fálica, é onde a criaa se aloja e instara imaginariamente o pai. É o que Freud chama de declínio do complexo de Édipo, momento preciso em que a lógica do desejo histérico se inicia. Como observou Lacan, é preciso que o pai dê a prova da atribuição fálica que lhe é dada, ele intervém como aquele que tem o falo e não como ele é; produzindo assim aquilo que reinstaura a instancia do falo como objeto desejado pela mãe e não só apenas como o objeto que o pai pode priva-la. O histérico interroga essa atribuição fálica: o pai tem o falo, por esta razão a mãe o deseja junto a ele [e] o pai só tem o falo porque privou a mãe desse falo. Aceitar então que o pai é o depositário legal do falo é engajar seu desejo de tê-lo à maneira de não tê-lo. E, por outro lado se contestar esse falo no sentido de que o pai só o tem por ter desapropriado a mãe, significa abrir possibilidade de uma reivindicação permanente no tocante ao fato de a mãe também poder ter o falo ou mesmo de ter direito a ele: toda a ambigüidade e ambivalência sustentadas pela mãe e pelo ai quanto à inscrição exata da organização do processo histérico: os militantes do ser injustamente desprovidos do atributo fálico.
 
    1. – OS TRAÇOS DA ESTRUTURA HISTÉRICA
Os sinais clínicos, sintomas fóbicos, sintomas de conversão e angustia, atribuídos à histeria não são suficientes para determinar um diagnóstico.A clinica histérica se divide nos quadros de
  • Histeria de Conversão
  • Histeria de Angustia
  • Histeria Traumática
Cada tipo se distingue dos outros a partir da especificidade dos sintomas, embora, em qualquer dos tipos a constituição do desejo do histérico se mantém fundamentalmente idêntica. A intervenção terapêutica só será eficaz se conseguir desmobilizar a constituição neurótica do desejo, leva-la para além dos sintomas.
 
Um dos elementos mais constitutivos do funcionamento da estrutura histérica é a alienação subjetiva do histérico em sua relação com o desejo do outro. A problemática do ter é que representa esse epicentro da questão do desejo histérico. Por sentir injustamente privado do falo, delegar-se-á o desejo àquele que supostamente o tem, interroga a dinâmica do seu desejo ao outro que (supostamente) detém a resposta ao enigma da origem e do processo do desejo em questão, ou seja, o Outro serve de suporte privilegiado aos mecanismos identificatórios
 
A identificação com o Outro é um artifício neurótico que redobra a constituição neurótica insatisfeita do desejo, constituição esta que, para Lacan, oculta o “passo a dar” que consiste em aceitar desde logo não ter o falo para permitir os meios posteriores pata toma-lo como posse. Assim, aceitar não tê-lo é poder identificar com aquela que não o tem, mas que deseja junto àquele que é suposto tê-lo. Por isso o termo identificação militante: a constituição, a partir daquela que não tem e que,por conseqüência, se dedica a reivindica-lo [sempre].
Quanto à alienação subjetiva do histérico em sua relação com o desejo do outro, o histérico é defensor incondicional das idéias, convicções, interesses, e opções do outro. Apresenta a necessidade de um Senhor, alguém que ele possa investir de imediato a um lugar privilegiado, uma disposição singular que consiste em não levar em conta as manifestações pessoais com o único fim de reforçar as do parceiro. A partir do momento que o Outro se mostra mais empreendedor no seu desejo o histérico o dispensa: o domínio do “fim de não receber”.Uma busca constante de agradar e tentar preencher o que ele imagina ser o prazer do outro, engajando assim numa renuncia sacrificial, o que historicamente vemos na função missionária e no destino de Berta.
 
Pela falta do ter, o histérico privilegia a identificação com o ser, nesse sentido, podemos identificar um traço característico da histeria: há sempre uma queixa obsoleta desenvolvida sobre o fundo de uma reivindicação de amor à mãe. Ele não se viu amado o bastante pelo Outro,não recebeu todas as provas de amor esperadas da mãe. Se sente um objeto insignificante e incompleto para o desejo da mãe, em contrapartida ao objeto completo e ideal que poderia ter sido. Trata-se de tentar se tornar o objeto ideal do outro, o que ele supõe jamais ter sido.
 
Ao mesmo tempo, o histérico se esforça por jamais dar-se o objeto substituto possível, a estratégia é frustrar a questão do ter, o inevitável encontro com a falta. Apesar de que as estratégias neuróticas no homem e na mulher nos trazem perfis diferenciados, o que se refere à identificação com o objeto da falta no Outro permanece comum já que trata da relação com a castração.
 
2.0 – A HISTERIA MASCULINA
 
A medicina resiste em identificar a histeria no homem e a beneficia com uma serie de camuflagens. Busca-se no outro ou na circunvizinhaa exterior uma causa para a histeria que não existe senão dentro de si mesmo, muitas vezes chamando-a de traumatismo, mascarando-a. Dispõe-se de categorias clinicas codificadas, citemos a ocorrências dos acidentes de trabalho, fatos de guerra, sem esquecer-mos dos reconhecimentos oficiais como honras,pensões, rendas, indenizações etc.
 
Do ponto de vista clinico a histeria masculina e feminina não se distinguem, mas nos mostra de formas diferentes sobretudo no discurso da medicina que emascula e traveste os transbordamentos imaginários que são consentidos apenas à expressão invasora da histeria feminina. Um exemplo disso é a grande crise evocada na histeria masculina, o acesso de cólera, frequentemente acompanhada de crises clásticas; cuja causa é [quase sempre] atribuída às contrariedades da vida, que são benignas. Contrariedades ligadas às obrigações geralmente expressas em detrimento de si em favor do Outro, uma maneira importante de traduzir um mal estar que não pode ser neutralizado de outra forma senão por uma descarga psíquica de um acesso de cólera, ou seja, uma confissão da impotência travestida numa descarga libidinal. A elaboração psíquica e a função disfaada dos sintomas tem papéis comparáveis para os dois sexos.
 
Na mulher histérica o dar a ver é sempre dar a ver alguma coisa e no homem o dar a ver concerne ao corpo inteiro, o homem se mostra como tal mais do que mostra alguma coisa. Aqui, a sedução como o suporte privilegiado de uma negociação de amor. Querer ser amado por todos, não querer perder nenhum objeto de amor.
 
2.1- A INCAPACIDADE DE GOZAR.
É próprio da histeria masculina o fracasso ou o comportamento de fracassado, o que Freud chamou de neurose de fracasso ou a neurose de destino. não suportar obter o que parece mais desejar – é o destino – é a fatalidade mais uma vez – o fracasso diante do sucesso. Não tirar proveito do que tem, ou tirar proveito da lamentação pelo que não tem. A estratégia nesse caso é destinada a manter a insatisfação.
 
o fracasso diante do sucesso se estabelece da seguinte maneira: de um lado uma tendência ostensivamente mobilizada pelo histérico de mostrar suas ambições seus dons, suas potencialidades de êxitos; de outro lado, uma tendência vitimista que consiste em imputar à realidade exterior o fracasso da realização da primeira tendência. A partir do momento que o histérico obtém a garantia que o desejo é viável de realização ele se torna imediatamente inapto a assumi-la. Resulta daí o estabelecimento de estados ansiosos, depressivos e até mesmo neurastêmico (idênticos à histeria feminina). na base dessa inaptidão ele poderá desenvolver, como super-compensação, uma serie de processos, as opções mais habituais é o uso de álcool e práticas e tóxicos.
Álcool e droga permitem com efeito assegurar ao histérico ma nota compensatória em seu ser masculino, o mediador “tóxico” permite dar o troco:
se mulher = a ilusão de deter o que ele acredita que ela espera dele.
Se homem = pode se apresentar igual ao outro, enquanto suposto ter aquilo de cuja falta queixa o histérico.
Em ambos os casos identifica-se: existir para si e parecer sob o olhar do outro, desejar para si e desejar apesar de si através da avaliação do que o outro supostamente espera do ponto de vista do seu desejo.
 
2.2 – A RELAÇÃO COM O SEXO NO HISTERICO MASCULINO.
A problemática está na dimensão da relação em que este se esforça para agradar a todos. A relação com o outro feminino é de antemão alienada em um tipo de mulher idealizada e inacessível. Daí o desenvolvimento de comportamentos de evitação para com uma confrontação direta e pessoal com a mulher no terreno sexual. Resulta também a instituição de manifestações perversas – a máscara ou a encenação homossexual. não que o feminino se torne preocupação ausente no homem, pelo contrário, está bem presente mas suportável na condição mediatizada. Mediação que se dá à masturbação subtendida por fantasmas de conotação perversa, especialmente encenações eróticas de mulheres homossexuais.
 
O exibicionismo também é uma manifestação perversa como a encenação do corpo. Através dele o histérico reitera algo do teatralismo provocador da paródia homossexual. O fazer parecer.
 
Alem dessa camuflagem perversa que é destinada a manter o objeto feminino distante, o histérico recorre frequentemente a uma outra manifestação sintomática: a impotência, que vem reforçar uma compulsão ao fracasso; que seja total ou abortada numa ejaculação precoce. Apóia-se num mecanismo imaginário que leva o histérico a confundir o desejo e a virilidade; confusão esta que tem origem numa interpretação particular que o histérico desenvolve e faz à demanda de uma mulher.
 
Essa demanda é percebida como injunção que lhe impõe dar prova de sua virilidade, tudo se passa como se a relação desejante se fundasse na necessidade de dever justificar “ter” o que a mulher demanda; o falo. Não se sentindo depositário desse falo, ele responde à mulher: não tenho pênis. A confusão entre desejo e virilidade – entre o órgão e o falo – a natureza do objeto.
 
O histérico se prende ainda mais á mãe e por isso se expõe em numerosa experiências onde o fracasso sexual mais ou menos parcial é testemunho de que nenhuma mulher pode mobilizar o seu desejo. Outra maneira de significar que o histérico não tem o falo pelo menos na medida em que sua mãe pode lhe dar a entender que ela o tinha, e, ela poderia ter dado a entender que ele era esse falo. Assim a impotência se revela como um compromisso entre aquilo através do que uma mulher pode gozar e a fidelidade à mãe, o que deixa a mulher numa posição de objeto de representação e não objeto de consumo possível.
 
Outra forma de encarnação desta posição histérica associada à impotência é o fisioculturismo: à falta de ter o falo ele assinala metaforicamente, com o corpo, que ele o é. Aqui a confusão pênis/falo é diferente, ele é representado pelo corpo inteiro. Intensificar a potência do músculo – evoca a ereção que ausenta de tais sujeitos. Por não gozar com o pênis comum, a mulher pode gozar com o pênis musculoso bastando olhar para ele. O gosto desmedido dos fisioculturistas pela exibição explica-se pelo fato de que esse mostrar-se que se entregam a todos os concursos, não passa de uma competição de ereção de pênis.
 
A ejaculação precoce – orgasmo precipitado – dá testemunho do risco que se pode correr no ato sexual – não poder assumir esse ato até o fim. Somente aquele que tem o domínio absoluto do falo pode assumir o gozo feminino, dominá-lo.
 
O gozo da mulher é percebido como um fracasso diante do poder fálico vitorioso, não tendo o atributo fálico que lhe permitiria a vitória, o histérico se sujeita ao poder daquele que o tem, do mesmo modo, inconscientemente, ele se identifica com a parceira feminina e goza por ejaculação precoce, sucumbindo ao poder fálico. Quanto mais se assegura de que o gozo da mulher não pode resistir ao poder fálico mais instala a si próprio na posição de quem não o tem, e mais gozará de modo precoce.
 
Encontra-se nesses homens construções fantasmáticas significativas: os verdadeiros homens viris, a quem basta penetrar as mulheres para que elas gozem instantaneamente.
 

3.0 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

    1. SOBRE O TEXTO
As exposições feitas pelo autor a respeito da semiologia da histeria, quanto á sua fala de 35 séculos à favor da histeria feminina, e ao travestimento e emasculação dos sintomas histéricos quando atribuídos ao homem; traz a questão da superioridade masculina arraigada há séculos na sociedade que teima em se posicionar teoricamente como pro-inclusiva e, na prática, por outro lado, se mostra , não obstante aos avanços tecnológicos e científicos como machista: as mulheres eram internadas, vistas como loucas, e “histéricas”; enquanto o sexo oposto era visto com herói e condecorado.
O texto trabalhado, embora de linguagem difícil é bastante interessante no sentido do desdobramento da constituição das personalidades. O exposto aqui - A Histeria – trouxe ao grupo que elaborou o presente trabalho, uma compreensão “lúcida” e detalhada do que viria a ser o termo, bem como as diferenciações da histeria masculina e feminina.
 
Outro ponto do trabalho do autor Joel Dor que não poderia deixar de ser evocado é a atualização da teoria, concernente à, por exemplo, critica á medicina, a valores sociais preconceituosos etc.
 
3.2 – SOBRE O TRABALHO PROPRIAMENTE
Apesar de se apresentar como tarefa difícil á primeira vista, o trabalho realizado não só foi interessante de ser feito como também essencial. Interessante por ter contribuído grandemente com o que entendemos da personalidade e como ela se forma, bem como a diferenciação das estruturas, semiologia, etc; essencial no sentido da exigência de leitura do texto, busca de Freud e Lacan, expulsão de conceitos já formados em nós.
 
A importância do trabalho e o valor que lhe foi dado pode ser observado na coesão do grupo em sua confecção. As leituras, as discussões, as dúvidas e as dificuldades.
Gostamos de ter feito o trabalho e, caso não seja, reforçado tal qual esperamos, foi válido nossas leituras, discussões e buscas.