A primeira vez que o vi foi num restaurante. E nem era restaurante dos bons. Ele chegou usando um guarda-chuva maior do que ele. Ficou parado na porta impedindo a passagem dos transeuntes e esfomeados que queriam almoçar. Por um bom tempo ele ficou a rir sozinho. A partir desse dia, passei a observá-lo.
Ele crescia a cada dia, engrossava os braços e pernas e a bunda começou a ficar arrebitada.
Com o tempo descobri que ele tinha uma tatuagem, que tava ficando careca e, embora sem um trident, ele gostava de espetar as pessoas.
Alex tinha um bom gosto para sapatos femininos, vinhos e perfumes. Um dia ele falou comigo. Perguntou se eu gostava de perfume e eu respondi que sim, mas já com medo de ter falado bobagem. Vendo que eu não tinha papo e nem sabia conversar sobre perfume, ele me perguntou qual foi o último perfume que comprei.
Na minha santa e crônica ignorância, pobre de cultura e isenta de conhecimentos sobre assuntos eu respondi (ou comecei a responder): “foi na revista da Avon ...”
Alex me olhou apavorado. Era como se eu fosse uma criminosa e se ele tivesse acabado de me pegar em flagrante. O pior é que olhando para ele naquele apavoramento, eu estava me sentindo mesmo uma criminosa, mas não sabia qual era o crime. Pensei que talvez eu devesse ter dito no “catálogo” da Avon, ou qualquer outra palavra que poderia ter saído errado e eu nem notara... pois não imaginei que o problema era o todo, a soma das partes.
Depois que se recobrou do choque e readquiriu a voz, descobri que Alex estava com vergonha de estar conversando com alguém que comprava na revista da Avon e esse era justamente o crime a que ele me flagrou: ele começou a falar bem baixinho e a fazer cara de paisagem quando alguém olhava para nós. Depois de olhar para todos os lados e ter certeza que ninguém estava ouvindo ele me falou uma coisa – nem virou o rosto pra mim – e aí eu notei que a qualquer momento ele chamaria a polícia pra me prender. As vezes eu chego a pensar que aquilo que ele falou tinha o mesmo peso de uma sentença à prisão perpétua. Numa voz baixinha ele disse:
_ Como que eu te pergunto por perfume e você tem a coragem de me falar sobre Avon? Avon não é perfume e você deveria se envergonhar. Impressionante, eu querendo te oferecer uma marca boa, fragrância boa e você vem me falar de Avon.
Ele continuou falando por um bom tempo e quem olhasse para nós diria que ele cantava sozinho olhando o pôr-do-sol e que eu era apenas uma velhinha desamparada que naquele momento se sentia honrada por sentar perto de um homem de bração (porque as velhinhas gostam disso!). Quando passou o susto e a vergonha, recobrei a voz e parti para a defesa:
_ Mas eu não conheço nenhuma marca, você ainda não me falou da marca. Mas Alex outra vez atacou:
_Se você não sabe porque não pede informações. MAS falar de Avon! Avon, Cara!
Parecia que eu havia realmente cometido um crime ou tivesse dito uma palavra profana, feito um sacrilégio, sei lá.
Quando chegamos ao nosso destino, eu o convidei pra ir comigo à Biblioteca (pois pensei que homens que conhecem de vinho, perfume e sapatos femininos com certeza gostam de ler) mas ele me respondeu algo que pra sempre cortará meu coração:
_Deus me livre. Se você fala em Avon lá dentro eu perco minha reputação.
Fui pra casa tristíssima, mas ao chegar eu parei em frente a penteadeira e contemplei minha coleção de produtos da Avon. Juntei tudo e fiz uma doação pra vizinha.
Hoje eu só uso produtos com a marca UP!
Mas nunca mais encontrei Alex: o homem tatuado e bunda arrebitada.