Selma Pereira


Sentimentos Pós-morte
Sentimentos Pós-morte

Eu ainda não tinha 23 anos quando morri tudo foi muito rápido e dolorido. Hoje aqui do eu poleiro, fico a olhar o rosto do meu assassino, pensando o que eu poderia ter feito de tão ruim.
 
 
Tudo começou porque eu me entreguei antes do tempo. Fui me envolvendo. Foi por pensar que a vida era fácil que tomei a maior e pior decisão de minha vida.
Acreditei no amor.
Sonhei em casar, em poder voltar às pressas para casa porque eu teria um marido pra cuidar. Almejava preparar sua janta e lavar as suas roupas. Ansiei por andar de mãos dadas com o amor que minha vida encontrou.
Sempre estive sozinha. Por isso meu assassino ganhou minha confiança. Estava sempre do meu lado. Até disse que me amava, e eu, que só a ele tinha, acreditei, e fiz daquela situação a minha vida.
 
 
Mas voltando ao que interessa, morri aos 28 dias do mês de outubro de 2010, véspera do meu aniversário, portanto, não completei 23 anos. Quando morri eu já era criminosa, meu coração já havia apodrecido e minha alma já se encontrava alquebrada, fria e distante. Morri por telefone, quão poderosa estava a tecnologia. Lembro que chorei bastante e tentei tocar o distante coração daquele que eu amava.
 
 
Ninguém compareceu ao meu funeral, aliás não houve funeral. Custaram a descobrir meu corpo fétido e deformado e, assim, irreconhecível. O impressionante é que continuei com meus sentimentos, uns agradáveis, outros bem menos. Lembro-me bem da moça que o encontrou, Tatiane. Ela olhou meus olhos parados e ridiculamente abertos e perguntou, para ela própria:
 
 
-O que fizeram com você? – E eu respondi-lhe no fundo do meu ser, sem que ela ouvisse:
-O que eu fiz comigo mesma. Tudo foi minha culpa. Não devia ter acreditado. Eu não tinha o direito de enganar-me.
 
 
Por mais que eu queira, não consigo desgrudar do mundo. Fico a vagar, a perturbar meu assassino, a tentar penetrar sua mente, a convidá-lo para estar comigo. Embora eu seja um espectro, também tenho emoções, fico alegre, fico triste, choro, tenho fantasias sexuais, tenho sonhos e chego a fazer projetos para o amanhã. Não me desgrudo do mundo porque não consigo mesmo me decidir. Sou pouco demais, sou pequena demais, sem forças, sem nexo, sem ponto de apoio.
 
 
Tenho condições de fazer o bem e tenho forças para fazer o mal, mas há uma diferença no plano espiritual: quando faço o mal, sinto uma dor terrível, uma vergonha enorme, pois tem uma Mulher de Luz que me observa, e nessas horas tenho a sensação de estar vaga, de ser um buraco. Quero ser feliz mesmo aqui, não importa como eu esteja; com quem eu esteja; não importa com quem eu esteja, só quero ter Paz, cortar o cordão umbilical que me une às coisas mundanas...
 
 
Cuida-te! Não há nada mais doloroso do que morrer pelas mãos de quem se ama. Cuida-te para que a vingança não encha o teu espírito. E quando vires a Luz, não hesite, vá!
Aqui também tem-se escolhas: e foi aí que tomei a pior decisão.