É possível observar as mudanças significativas no mundo do trabalho que vão se acentuando mais e mais, especialmente a partir do avanço de novas tecnologias, novas pesquisas, mudanças nas relações humanas e de trabalho, que exigem dos trabalhadores uma constante adaptação e um desempenho cada vez maior. Assim o trabalho pode ser tanto um meio de prazer, que oferece crescimento pessoal, como também se organizar em uma fonte de opressão e sofrimento.
A palavra Trabalho no dicionário Aurélio está definida como 1. Aplicação das forças humanas para alcançar determinado fim; 2. Atividade coordenada de caráter físico e/ou intelectual necessário á realização de qualquer tarefa ou empreendimento.
Para Marx (1985), o trabalho é a essência do homem pois é o meio pelo qual ele se relaciona com a natureza e a transforma em bens; é uma mercadoria que possui um valor de uso e um valor de troca.
Para Lancman & Sznelwar (2004) o trabalho tem uma função psíquica e é um dos grandes alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de significados. Assim, constitui-se como espaço de dominação, submissão e resistência, conjunção de forças cujo centro é o conflito. Conflito este que remete ao embate: o sofrimento. Assim, os autores sugerem que o trabalho abarca um significado maior do que o ato de trabalhar ou vender sua força de trabalho em busca de remuneração; trata-se da remuneração social pelo trabalho, além de uma função psíquica, pois é um grande alicerce de constituição do sujeito e de sua rede de significados.
A Psicodinâmica do Trabalho e a Noção de Sofrimento
A psicodinâmica do trabalho foi sugerida por Dejours a partir dos anos 80 na França e foi consolidada nos anos 90 no Brasil. Médico do trabalho, psiquiatra e psicanalista, seus estudos revelam um olhar amplo e integrador sobre a organização do trabalho e seus impactos sobre a saúde mental dos trabalhadores; remete-se aos fenômenos do mundo laboral que influenciam, de maneira decisiva, as vivências de prazer e sofrimento dos indivíduos envolvidos com o processo dinâmico do trabalho. Em seu livro “A loucura do trabalho”, tem como objeto de estudo não a loucura propriamente dita, mas o sofrimento, sendo este um estado compatível com a normalidade psíquica do indivíduo, já que o mesmo proporciona uma série de mecanismos de defesa e de regulação.
Para Dejours (1994), o sofrimento presente no contexto organizacional se vincula a dados relativos à história singular de cada indivíduo e aos aspectos referentes à sua situação atual, possuindo então uma dimensão temporal que implica em processos construídos pelo próprio trabalhador no âmbito de sua atividade. O autor distingue dois tipos específicos de sofrimento, sendo o primeiro o patogênico e o segundo o criativo. O patogênico se inicia no momento em que foram explorados todos os recursos defensivos do indivíduo. Esse tipo de sofrimento é uma espécie de resíduo não compensado, que leva a uma destruição do equilíbrio psíquico do sujeito, empurrando-o para uma lenta e brutal destruição orgânica. No momento em que a organização do trabalho se torna autoritária, ocorre um bloqueio da energia pulsional, que se acumula no aparelho psíquico do indivíduo, gerando desta forma, sentimentos de tensão e desprazer intensos.
“A carga psíquica do trabalho resulta da confrontação do desejo do trabalhador, à injunção do empregador contida da organização do trabalho. Em geral a carga psíquica do trabalho aumenta quando a liberdade de organização do trabalho diminui”. (Dejours, 1994, p. 28)
O sofrimento mental é entendido em uma perspectiva dinâmica, onde tanto pode propiciar elementos que favoreçam à saúde quanto ao processo de adoecimento (Dejours & Abdoucheli, 1994). É necessário que este sofrimento seja relacionado com às situações concretas de trabalho, considerando as interações entre condições físicas, químicas e biológicas e a organização do trabalho.
O conceito de sofrimento e prazer no trabalho pode ser tomado como derivado do confronto do individuo com os desafios externos que lhe faz tomar decisões que antagonizam seus valores, formação e capacidade; confronto dos desejos, vontades, sonhos e princípios individuais versus objetivos da organização de trabalho a que se está inserido, que sequer dá conta das possibilidades e valores individuais.
O sofrimento psíquico ocorre quando o trabalhador não consegue dar escoamento ao sofrimento; a maneira como o trabalho está organizado (de acordo com Dejours (1992); divisão, conteúdo da tarefa, sistema hierárquico, modalidades de comando, relações de poder e as questões de responsabilidades etc) ou suas condições (ambiente físico, químico, biológico, as condições de higiene, de segurança, e as características antropométricas do posto de trabalho); bloqueia as possibilidades de desenvolvimento e crescimento pessoal. É um sofrimento gerado no trabalhador devido à pressão que é submetido diariamente em busca de lucros, competição, eficácia e da manutenção do emprego. O trabalhador se sente apavorado por não conseguir manter sua energia física e mental adequada para seu desempenho no trabalho, e esse pavor é uma forma em que se manifesta o sofrimento psíquico (França e Rodrigues, 1997). Pode também ter sua origem nas pressões do trabalho; pressões essas que põem em xeque o equilíbrio psíquico e a saúde mental, na organização do trabalho, é individualizado e depende da construção social e psíquica de cada pessoa. (DEJOURS, 1994).
Dejours (1998) afirma que as relações de trabalho, dentro das organizações, freqüentemente, despojam o trabalhador de sua subjetividade, excluindo o sujeito e fazendo do homem uma vítima do seu trabalho. O workaholic, expressão americana originada da palavra alcoholic (alcoólatra) serve para denotar uma pessoa viciada em trabalho; vicio motivado pela alta competição, necessidade (talvez mais adequado seria dizer obsessão) por dinheiro, vaidade, sobrevivência etc; que pode expressar aquilo que caracteriza o sofrimento patogênico (Dejours 1998/1999).
Ainda segundo Dejours, a noção de sofrimento é central e implica um estado de luta do sujeito contra as forças que estão empurrando em direção à doença mental. Por outro lado, o autor afirma que é na organização do trabalho que se deve procurar essas forças. Entende por organização do trabalho não só a divisão do trabalho, isto é, a divisão de tarefas entre os operadores, os ritmos impostos e os modos operatórios prescritos, mas também, e sobretudo, a divisão de tarefas, representada pelas hierarquias, as repartições de responsabilidade e os sistemas de controle (DEJOURS, 1992). Ao instalar-se o conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico dos homens, quando estão bloqueadas todas as possibilidades de adaptação entre a organização do trabalho e desejo dos sujeitos, emerge o sofrimento patogênico (DEJOURS, 1992, 1999). A partir dessa percepção o autor explica em que consistem as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para enfrentar esse sofrimento e como elas surgem e evoluem.
O Sofrimento Criativo
Dejours denomina de sofrimento criativo o fato de o indivíduo elaborar soluções originais que favorecem ou restituem sua saúde. O sofrimento criativo chega a adquirir um sentido, pois favorece ao indivíduo um reconhecimento de uma identidade. Neste contexto o indivíduo se propõe a ação criativa que promove descobertas, fazendo com que este experimente e transforme, de maneira criativa, prática e engenhosa, soluções inéditas frente às situações móveis e cambiantes de seu trabalho. A competência e a engenhosidade, promovida pela inteligência coletiva ou individual, proporcionam o surgimento de estratégias defensivas, que aliviam ou combatem o sofrimento psíquico. Os indivíduos, quando diante de uma situação de angústia e insatisfação decorrente de seu trabalho, elaboram estratégias de defesa que acaba por tornar o sofrimento um aspecto velado. Logo, o sofrimento disfarçado encontrará como meio de eclodir uma sintomatologia, a qual às vezes apresenta-se com certa estrutura própria a cada profissão ou ambiente de trabalho. Isso porque, a vida psíquica perpassa pelo funcionamento de todo sistema corporal integrando-o, desta forma manifesta-se as doenças