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Selma Pereira


Desenvolvimento Humano II
Desenvolvimento Humano II

Françoise Dolto - Leitura do Násio

  
Psicanalista atuante, forneceu-nos uma fala e reflexões comandadas pela clínica e pela escuta do inconsciente. Clínica genial, foi também uma grande teorizadora, tendo deixado uma obra original.
A Obra
Além de uma arte socrática secundada por uma ética rigorosa, podemos distinguir em sua obra os seguintes temas recorrentes:
- O ser humano é um ser de “filiação linguajeira”, um ser de linguagem,pertencente a uma linhagem.
- Paralelamente, ele é uma fonte autônoma de desejo desde a concepção. O nascimento simboliza o desejo de assumir a si mesmo, a encarnação no corpo de um sujeito desejante.
- As pessoas parentais respondem pela coesão narcísica da criança, coesão que está referida à cena primária e às relações atuais. Assim, o bebê se inscreve num espaço afetivo triangular.
- A necessária articulação dos sexos para gerar a vida deve ser dita à criança; Uma mulher só se torna mãe através de um pai. Saber que a mãe concebeu o filho num ato de desejo com um homem situa a criança em sua verdade e a livra de uma hemiplegia afetiva e simbólica.
- A vinda ao mundo é a encarnação de três desejos: o da mãe, o do pai e o do próprio sujeito.
- O “infans” inscreve-se imediatamente numa tríade e não pode ocupar sem prejuízo o lugar de um objeto erótico na economia libidinal da mãe. Toda situação em que a criança serve de prótese para um dos pais é perversiva.
- O ser humano busca, desde a vida fetal, a comunicação. A relação inter-humana humaniza. Dirigir-se ao bebê com palavras que traduzam suas emoções,seu sofrimento e sua história faz com que ele entre no código humano da linguagem.
- O sujeito humano, se quiser libertar-se dos estados arcaicos, regressivos,terá que enfrentar e superar as castrações umbilical, oral, anal e edipiana. Essas castrações são definidas por Dolto como frustrações hedônicas, provações durante as quais a criança esbarra na proibição ligada a um gozo focalizado numa dada zona corporal, num certo estádio do desenvolvimento. As castrações simboligênicas introduzem uma mudança do desejo. São também experiências implantadoras no mundo humano (castração umbilical), na pertença sexual (castração primária) e no mundo da cultura(proibição do incesto e castração edipiana). No fundo, elas participam do processo de individualização. Em Dolto, os adjetivos anal, oral e genital não traduzem apenas o encontro das pulsões com o prazer de uma zona erógena, mas exprimem também uma modalidade de encontro com o outro, associada, no inconsciente, com esses lugares do corpo que são fontes de excitação.
- F. Dolto destacou com freqüência os vínculos entre a neurose dos pais ea dos filhos. Estes são portadores de dívidas transgeracionais não saldadas. Mas as crianças também herdam qualidades dinâmicas dos pais. Assim, na estrutura do sujeito, há três gerações em jogo. Nem por isso, no entanto, Dolto reduzia o sujeito à simples expressão da fantasia parental.
- Se os defeitos e rompimentos do vínculo pós-natal podem ter repercussões graves na vitalidade do bebê, Dolto afirmava, por outro lado,que os sofrimentos e infortúnios não são traumatizantes, quando conseguem se exprimir. Ela assinalava que “o ser humano tem uma capacidade extraordinária de sublimar a privação de quase tudo, desde que essa privação seja mediatizada sem mudar a realidade, e desde que ele esteja em relação com alguém e possa dizer de sua experiência, sem precisar imitá-la com o corpo”
 
- As crianças encontram-se nas origens do saber, e os sintomas são perguntas mudas, mensagens por decodificar, mal-entendidos, bem como expres-sões da verdade delas.
A relação mãe-filho e a triangulação
Se uma mãe nutriz é essencial para o bom desenvolvimento psicológico da criança pequena, o pai, outro pólo do triângulo, também o é. Ele exerce uma função e ocupa um lugar radicalmente diferente do papel materno.
A fecundação já é uma triangulação, e o nascimento, momento consumado de força vital e de desejos, é fruto de um encontro de três desejos: desejo de uma mãe, desejo de um pai e desejo de um sujeito dese encarnar num corpo. 
 A díade
Durante os primeiros meses de vida é necessário que haja uma única pessoa para servir de relacionamento eletivo do bebê, a fim de que ele se centre em seu próprio interior. Ela também acrescenta que, desde o começo, essa pessoa deve ser mediadora das outras. Essa estrutura de trocas e de palavras é o que funda sua identidade. A relação contínua com uma pessoa tutelar é vital, pois cria a memória de um “ele mesmo — o outro”, primeiro fator de segurança narcísica. Ela é representante do ser “ele-ela”. Essa presença humana vital é mediadora das percepções e instauradora de sentido e de humanização. Desde o nascimento, a criança é um ser de fala, receptivo e ativo, na expectativa das trocas sensório-motoras e da linguagem vocal e gestual. Ela pleiteia uma comunicação interpsíquica. O bebê é, acima de tudo, um ser desejante à procura de um outro. A tensão do desejo sustenta a busca, pelobebê, da complementaridade de um objeto que o satisfaça e lhe dê seuestatuto de ser: “Onde está aquilo pelo que terei o ser?” Quando não obtém resposta a seu apelo por trocas, às variações de suas sensações, de suas percepções, ele não experimenta a confiabilidade, não encontra alguém que mediatize o que ele está vivendo e lhe confira sentido. Há então um risco de mortalidade simbólica, psíquica, por falta de uma comunicação inter-humana verdadeira, por falta de comunicação de psiquismo a psiquismo. Quando a mãe se ausenta, o bebê fica privado de seus referenciais, é como que desertado (o objeto perdido é também o sujeito que se perde), mas se recupera quando ela reaparece e quando se reconstitui um continuum do ser.
 Desde muito cedo, ele armazena em sua memória percepções de encontros auditivos, olfativos e visuais. Esses vestígios formam pontes e são memorizados. Graças a isso, pouco a pouco ele passa a poder suportar a ausência materna, e essa dialética presença/ausência torna-se vital para o impulso de sua vida psíquica: “de ausência em presença e de presença em ausência, acriança se informa de seu ser na solidão”
 A construção do “infans” 
O lactente se constrói através das referências carnais e pela comunicação da linguagem. Ele se escora numa mãe co-ser, num espaço-tempo humanizado por um vínculo de co-vivência. Desde os primeiros dias, está ligado à mãe pelo olfato e pela voz, que lhe permitem encontrar-se. É o outro que é detentor da identidade do sujeito, pois é através do outro, isto é, da mãe-nutriz, que o bebê reconhece e se conhece num campo de odor, ou, em termos mais gerais, num espaço mediatizado: “A criança, ao ouvir, conhece a si mesma através de quem fala com ela”. Sem o outro, a função simbólica da criança se exerceria no vazio, já que é justamente o outro que dá sentido ao experimentado e ao percebido: o outro humaniza.
Portanto, é o outro que centra o sujeito. O corpo da mãe é também seu próprio corpo. O lactente constrói-se com pedaços do corpo relacional. Mas, graças também às referências viscerais, ele se sente coeso.
Da díade surge, pouco a pouco, um “pré-eu”, a partir desses “segmentos alternantes de corporeidade”. Para o bebê, essa presença repetitiva e pluriquotidiana do contato sensorial com a mãe é indispensável à preservação das imagens do corpo básicas.
Resumo:
- A mãe é tranqüilizadora por carregar a criança, pelas carícias, e brincadeiras corpo-a-corpo, e é humanizante pelo efeito da fala. Mediadora das percepções, ela confere um valor significante às sensações. Sem a fala do outro, as percepções da criança só se cruzam com seu próprio corpo, que então se torna um corpo-coisa.
- A descontinuidade na díade acarreta uma alternância entre o co-ser coma mãe e o não-co-ser. Essa temível descontinuidade (quando a mãe sesepara dele, o infans fica como que amputado), no entanto, é pontuadora, simboligênica.
-Se é verdade que, na díade, o infansfica sujeito ao que é sentido pela mãe,ele está pronto, no entanto, para receber a linguagem, e é, ele mesmo, uma fonte autônoma de desejo.
- “O homem não é um representante da morte para o inconsciente. A mulher o é, porque é dela que provêm os gozos que fazem o sujeito esquecer seu corpo e, o bebê, esquecer seu ser.
A criança, por sua vez, tem que se furtar à solicitude dela, a partir de um certo ponto de seu desenvolvimento, e se recusar a dar-lhe o prazer que ela lhe demanda a partir de certo momento, que é, no mais tardar, o do Édipo.
 A noção de triangulação
Desde a concepção, a criança situa-se numa tríade. A díade mãe-filho só tem sentido estruturante quando a mãe maternante “conserva e continua a desenvolver interesses fundamentais pela sociedade” e quando preserva uma atração física e emocional pelo parceiro. Para o bebê, “seu corpo e seu ser só se distinguem dos da mãe nos momentos em que uma terceira pessoa está presente”.
A não-resposta aos apelos da criança, quando a mãe está ocupada com seu cônjuge, é um comportamento materno estruturante.
F. Dolto não pára de nos lembrar que o casal mãe-pai sempre representa a mediação básica, a célula de referência simbólica, cuja “função original é garantir a triangulação”. Sem um termo terceiro, não existe Eu. Ao contrário, é o corpo-a-corpo barrado que permite o aparecimento das sublimações fonatórias.
F. Dolto lembrava com insistência a função humanizante do pai na relação mãe-filho, ele constitui o eixo da estrutura triangular. O pai tem uma função separadora e dinamogênica. A relação dual deve ser marcada pela lei do pai(marido, amante), “lei que é salutarmente dissociativa para a deliciosa díade do bebê”, apontando à criança que a mãe não lhe pertence e apontando à mãe que o filho não é produto dela. Por isso, “o pai não é bom nem mau; ele é aquele que barra a mãe e elimina na criança a necessidade de fazê-la sorrir ou chorar”.
O pai enraíza a criança numa filiação, pelo sobrenome que lhe transmite, e desempenha um papel decisivo na sexuação. A propósito disso, F. Dolto sustentava a idéia de atrações heterossexuais precoces, que ela situava já nas primeiras mamadas. Para o menino, o pai é um esteio narcísico, um modelo identificatório. Para a menina, é o pai que responde ao que, na mãe, não dá resposta ao desejo sexualizado da filha. O pai, segundo F. Dolto, é “um eixo que verticaliza”.
As castrações simboligênicas
Não se trata de uma ameaça ou de uma fantasia demutilação peniana, mas de uma privação, de um desmame real e simbólico,concernente a um objeto até então eroticamente investido e que, um dia, tem que ser proibido.
 A definição da castração segundo Dolto
Dentro da perspectiva da história e do desenvolvimento, a castração foi concebida por Dolto como uma proibição que se opõe a uma satisfação antes conhecida, mas que teve que ser ultrapassada, deslocada.
Essa proibição de agir como antes provoca um efeito de choque, uma revolta e uma inibição. A criança pode suportar essa experiência mediante a verbalização e a constatação de que o adulto também está submetido à proibição. Há uma proibição das pulsões — não podendo mais as pulsões serem satisfeitas diretamente no corpo-a-corpo ou com objetos incestuosos —,recalcamento e, depois, sublimação. Portanto, existe a ideia de que a lei é não apenas repressiva, mas também iniciadora, “promotora”, liberadora e sublimatória. A castração, ao interditar certas realizações do desejo, obriga e libera as pulsões para outros meios, outros encontros, abandonando-se um modo de satisfação até então experimentado para se aceder a um gozar mais elaborado.
A castração oral
“significa a privação imposta ao bebê daquilo que, para ele, é o canibalismo em relação à mãe: significa o desmame, e também o impedimento de ele consumir aquilo que seria um veneno mortífero para seu corpo, ou seja, a proibição de comer o que não seria alimentar, o que seria perigoso para a saúde ou para a vida”.
Essa castração é, para a criança, a separação de uma parte dela mesma, encontrada no corpo da mãe: o leite.
Se a linguagem preexiste ao nascimento, é somente após o desmame do corpo-a-corpo, para Dolto, que a assimilação da língua materna começa a ser feita.
 A castração anal 
A castração anal significa a separação da mãe no que concerne à dependência das necessidades excrementícias, o término da assistência materna na manutenção do corpo e no vestir, o fim do parasitismo físico e a entrada no agir,nas experiências, na autonomia motora, nas manipulações lúdicas com os outros, no reconhecimento dos limites. A proibição da agressão ao corpo do outro, do assassinato, decorreria da sublimação das pulsões anais. A castração anal induz à proibição da deterioração, à proibição de prejudicar o outro,ao ensino da diferença entre propriedade pessoal e propriedade alheia, à proibição de fazer qualquer coisa em nome do prazer erótico. Pela sublimação do desejo anal, a criança torna-se diligente e lúdica e adquire maior domínio da motricidade e do intercâmbio com os outros.
 A castração simboligênica
A castração significa suspensão, perda, modificação da relação com o outro,sobretudo no nível do corpo, modificação do trajeto pulsional: na castração umbilical, é a suspensão do ser um só com a mãe, do estar dentro, do ser alimentado pelo cordão; é a perda dos envoltórios, da placenta, e a perda da audição do próprio ritmo cardíaco; na castração oral, é a perda de um tipo de alimentação, de um tipo de corpo-a-corpo, perda do mamilo que o bebê acreditava ser seu; na castração anal, é a perda da dependência física no tocante às necessidades, ao vestir, é a perda de uma mamãe que faz tudo.
Longe de ser uma barreira ou um trauma negativo, a castração é dinamizadora e é condição de acesso a uma autonomia maior. É concomitante a que se seja humanizado como sujeito, e não mais como objeto do outro. A castração é simboligênica por impedir as pulsões de se satisfazerem de imediato num circuito curto em direção ao objeto visado, e por adiar a satisfação delas num circuito longo, mediante um objeto transicional e,posteriormente, graças a sucessivos objetos ligados ao primeiro objeto.
 Para que as castrações sejam portadoras de um valor simboligênico, várias condições são desejáveis:
- O esquema corporal da criança deve estar em condições de suportá-las.
- É necessário que o adulto que impõe a castração seja movido pela tolerância, pelo respeito e pelo amor casto, e que possa servir de exemplo e tornar seu poder e seu saber acessíveis à criança, um dia.
- O desejo deve ser reconhecido e valorizado.
- Essas castrações, sempre conflitivas, precisam de palavras.
A imagem inconsciente do corpo
Desde sua origem, o próprio ser humano é uma fonte autônoma de desejo.
 Definição da imagem inconsciente do corpo
O conceito de imagem inconsciente do corpo atendeu à preocupação de apreender as primeiras representações psíquicas e pensar nas etapas pré-es-peculares; pois se o infans, para F. Dolto, é um ser relacional e em comunicação, ele é dotado, desde o início, de uma atividade representativa.
A imagem inconsciente do corpo é uma noção fundamentalmente saída da clínica; não é nem o esquema corporal, nem o corpo fantasiado, mas o lugar inconsciente de emissão e recepção das emoções inicialmente focalizadas nas zonas erógenas de prazer.
Os três aspectos da imagem inconsciente do corpo
O aspecto estrutural
A imagem do corpo apresenta-se como a articulação dinâmica de uma imagem de base, uma imagem funcional e uma imagem das zonas erógenas. Essas três modalidades da imagem inconsciente do corpo são ligadas por um substrato dinâmico, as pulsões de vida.
-  A imagem de base
Concerne ao ser em sua coesão narcísica. Origina-se na vivência repetitiva de massa e presentifica a imagem do corpo em repouso. Associada à cena da concepção, à imagem fetal e ao narcisismo fundamental, ela liga o sujeito à vida. A respiração e a circulação cardiovascular seriam os principais lugares corporais dessa imagem. A imagem de base é constitutiva do narcisismo primordial ou fundamental. Ela abrange, portanto, o sentimento de existir numa continuidade
-  A imagem funcional
define-se como a imagem estênica de um sujeito que almeja a realização de seu desejo; ela veicula as pulsões de vida. Está ligada à tensão do desejo.
-  A imagem erógena
Por sua vez, focaliza o prazer e o desprazer na relação com o outro.Essas três imagens são entrelaçadas pela imagem dinâmica, que corresponde ao desejo de ser e de perseverar num advir, a uma “intensidade de espera e de alcance do objeto”, a uma tensão de intenção. Essa imagem exprime “em cada um de nós o Ente que conclama o Advir: o sujeito no direito de desejar”.
- O aspecto genético, dinâmico
Por ocasião da experiência do espelho, a imagem do corpo é recalcada e desaparece, em prol da corporeidade visível.
Essa experiência é uma prova em que o sujeito se descobre outro, distinto da mãe. O reconhecimento no espelho é uma situação dramática, na qual se impõe uma identificação com um corpo separado.
- O aspecto relacional
A elaboração da imagem do corpo só se faz numa relação de trocas e de linguagem com os outros.
 A patologia das imagens do corpo
Françoise Dolto valorizou mais particularmente dois fatos. A disjunção das três imagens do corpo e a reversão (ou retorno) para uma imagem básica mais arcaica. Várias noções esclarecem essa patologia: não-estruturação, enclaves fóbicos, alteração-dissociação, desvitalização. Em termos sucintos, note-se que:
- quando há perigo e ataque contra a imagem de base, podem desenvolver-se mecanismos fóbicos ou persecutórios;
- quando há carência de uma pessoa nutriz ou falta de reconhecimento do desejo, podemos temer uma regressão, com o ressurgimento de uma imagem do corpo passada;
- havendo perda dos primeiros referenciais identificatórios, sobretudo sensoriais, existe um risco de morte psíquica;
- quanto à alteração e à dissociação, o contato com crianças psicóticas ou autistas remete-nos a imagens arcaicas do corpo, ao apego da criança a uma imagem a que ela não consegue renunciar, a zonas psíquicas danificadas, insólitas, não mais codificadas na relação com o outro.
Formulações sobre as entrevistas preliminares e a psicanálise com crianças
Françoise Dolto teve o mérito de expressar claramente a especificidade do trabalho de reeducação, do trabalho psicoterápico e da prática psicanalítica com crianças. As indicações, as condições, o contrato, as entrevistas preliminares e o lugar do psicanalista em relação aos pais e à educação foram objeto, por parte dela, de explicações precisas.
 As entrevistas preliminares
Elas devem permitir, de um lado, discernir de onde vem a demanda, investigar quem está realmente sofrendo e, de outro, estudar a dinâmica familiar, o lugar da criança no narcisismo dos pais, as projeções de que ela foi objeto, o Édipo do pai, o Édipo da mãe e o “jogo” inconsciente pais-filho.
Nesse trabalho preliminar, F. Dolto tentava fazer emergir o que pudesse ter sido dito e projetado antes que a criança nascesse, compreender o lugar dela numa história de ramificações complexas, feita de acontecimentos, desejos e palavras, estas últimas decisivas, às vezes, para o destino do sujeito.
Esse trabalho preliminar requeria tempo, mas um tempo muito mais precioso por permitir que F. Dolto evitasse os tratamentos de crianças com menos de seis anos. Com efeito, ela achava que, durante o Édipo, uma pessoa levada a se encontrar frequentemente com a criança trazia o risco de retardara evolução desta para uma estruturação libidinal sexuada, uma vez que essa estruturação só podia efetuar-se favoravelmente, na visão de Dolto, dentro da conjuntura familiar triangular. 
 
 O enquadre e as modalidades técnicas
Se o enquadre do tratamento com adultos não é aplicável às crianças e exige algumas reformulações, não há, por outro lado, uma diferença de natureza entre a análise de adultos e a análise de crianças. As duas regras fundamentais, a verbalização das associações livres e o pagamento das sessões, são retomadas, embora com modalidades específicas.
- Dolto pregava um certo despojamento no material e rejeitava a introdução de brinquedos. Se o desenho era compreendido como uma estrutura do corpo projetada, uma fantasia, um testemunho da imagem inconsciente do corpo, o importante, no entanto, era fazer a criança falar sobre seu desenho, fazê-la associar com base nessa mediação representante. A imagem do corpo, dentro dessa perspectiva, é uma mediação para exprimir sonhos, fantasias e desejos.
- O pagamento simbólico, nessa situação, era equivalente ao pagamento das sessões na análise de adultos. Parece fundamental que o analisando invista sua psicanálise como um espaço de autonomia para um trabalho pessoal.