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Selma Pereira


Freud e Telepatia
Freud e Telepatia

Bebês são receptivos a palavras ditas pelo analista a seus pais. (Telepatia?)

 
Ao longo de toda a sua vida, Freud procurou eliminar “da realidade material o pensamento mágico, criação do desejo humano”. Céptico até 1910, começou a admitir a possibilidade da existência da telepatia perante certos factos inexplicáveis, surgidos no decurso das suas pesquisas. Mas sofreu principalmente a influência de dois dos seus discípulos e amigos, Jung e Sandor Frerenczi. Jung pensava que o conhecimento extra-sensorial era uma das numerosas possibilidades sensoriais pelas quais se podia captar uma informação. Ferenczi, abordando sempre o problema com um grande espírito crítico. Apresentou alguns clarividentes a Freud e pô-lo ao corrente duma transmissão telepática entre ele próprio e um dos seus doentes.
 
 
Em 1911, Freud foi nomeado membro correspondente da Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres, sociedade que se consagrava exclusivamente ao estudo dos fenómenos parapsicológicos, e depois, em 1915, membro da Sociedade Americana. Efectuou experiências pessoais com Frenczi e a sua própria filha, Anna, mas, prudente, só mais tarde se comprometeu oficialmente no terreno do paranormal.
 
Só em 1921 Freud adquire um grau de certeza suficiente para tomar posição. Num ensaio, Psychanalyse et Télépathie, declara: “Já não é possível pôr de lado o estudo dos factos ocultos”. Mas este texto só foi divulgado vinte anos mais tarde, por um dos seus colaboradores, Jones, por considerar a sua publicação prematura e perigosa para a época.
 
Foi só, portanto, em 1922 que Freud tomou publicamente posição. O estudo da parapsicologia sob o ângulo da psicanálise iniciou-se com o seu artigo “Sonho e Telepatia”. Nele estudava um caso de conhecimento paranormal e esclarecia, sob um novo ângulo, a distorção da percepção telepática. Um dos seus correspondentes tinha-lhe escrito a dizer que sonhara que a mulher dera à luz gémeos; ora, no dia seguinte, soubera que a filha da sua primeira mulher acabara de dar à luz, prematuramente, dois gémeos, nessa mesma noite. Freud submeteu o sonho à análise. O desejo inconsciente do sonhador era de ser pai e não o avô da criança que ia nascer. Soubera por telepatia do parto da filha, mas como a consciência não podia aceitar esse desejo secreto e recalcado a censura transpôs e mascarou a informação, exprimindo finalmente esse desejo incestuoso como o desejo de ter um filho de sua mulher. Foi deste modo que houve uma diferença entre o conteúdo manifesto do sonho e o acontecimento real.
  
Se a telepatia existisse, concluía Freud, as leis do inconsciente (censura-deformação) deveriam então aplicar-se às informações telepáticas. Freud demonstrou, assim, que muitas contradições, aproximações e erros do conhecimento paranormal se poderiam explicar por mecanismos de defesa, segundo as Leis do funcionamento mental, dirigido por necessidades inconscientes.
 
 
Freud abordou novamente, em 1925, o tema da telepatia, em “O Significado Oculto dos Sonhos”. A análise poderia revelar, pensava ele, os factores emocionais inconscientes de pessoas implicadas no caso. “Frequentemente tive a impressão, no decurso de experiências à minha volta, que as recordações que comportavam uma forte tonalidade emocional se transmitiam com êxito, sem grandes dificuldades. Se tivermos a paciência de submeter a um exame analítico as associações da pessoa a quem os pensamentos, como supomos, são transmitidos, revelamos correspondências que doutra maneira se conservariam despercebidas. Na base de numerosas experiências, sinto-me inclinado a concluir que a transmissão de pensamento tem grandes probabilidades de se dar no momento em que a ideia emerge do subconsciente… É mesmo possível que mensagens telepáticas recebidas durante o dia só possam chegar à consciência na noite seguinte, por meio dum sonho. Seria então lógico que o material percebido telepaticamente sofresse modificações e as transformações do sonho, como qualquer outro material”.
 
No mesmo artigo, Freud estudava o problema da vidência. Alguns anos antes, uma vidente anunciara a uma das suas doentes que esta, aos trinta e dois anos, teria dois filhos. Aos quarenta e três ainda não tivera nenhum. Freud descobriu que, nessa altura, o desejo inconsciente da doente era imitar a proeza da mãe, que, estéril até aos trinta anos, começando a desesperar, teve duas crianças antes dos trinta e dois anos. A vidente captou este desejo no espírito da cliente por telepatia, e devolvera-lho na profecia, para a satisfazer.
 
Muitos casos de vidência podem interpretar-se pela relação telepática estabelecida entre o cliente e o vidente. Este último percebe, pela transmissão de pensamento, o desejo profundo da pessoa que o consulta. Variando alguns pormenores e colocando a realização desse desejo no futuro, dá ao cliente a aparência duma verdadeira “Leitura do futuro”. Contudo, não faz mais do que exprimir elementos ou presentes da vida do seu consultente.
 
Foi só em 1933 que Freud retomou o tema da telepatia (após um silêncio de oito anos). Em Nouvelles Conférences sur la Psychanalyse. Utilizou parcialmente certas observações contidas noutros ensaios, mas a maior parte das quais não tinham ainda sido publicadas, e fez uma brilhante demonstração da utilização da análise. Freud pôde reconhecer, graças às associações livres dum dos seus pacientes, P., no decurso duma sessão, o conhecimento telepático dum facto, aparentemente vulgar, da sua própria vida, mas que provoca em P. uma grande ansiedade. Era o célebre caso do “Dr. Forsyth”. P. apercebera-se telepaticamente de que Freud desviara parcialmente o seu interesse por ele, ocupando-se muito dum novo paciente que viera de Inglaterra.
 
É a Freud que cabe o mérito de ter permitido a integração dos fenómenos “psi” no contexto total do homem; Freud, numa carta dirigida a Herreward Carington, em 1921, fez esta surpreendente declaração: “Não sou daqueles que recusam logo à primeira vista o estudo dos fenómenos psíquicos ditos ocultos, por ser anti-científico, indigno dum sábio, até mesmo perigoso. Se me encontrasse no princípio da minha vida científica em vez de estar no fim, talvez não escolhesse outro domínio de investigação, a despeito de todas as dificuldades que ele apresenta”.